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Amarração de amor

  • Foto do escritor: Samuel da Rosa Rodrigues
    Samuel da Rosa Rodrigues
  • 7 de mar.
  • 3 min de leitura

A Madame Samantha arregalou os olhos quando terminou de interpretar os sinais. As cartas enfileiradas falavam algo que ela não queria acreditar. Modulou a voz e falou com o cuidado e a dramaticidade que a situação exigia.


— Rosane, eu preciso ser sincera. Eu estou vendo aqui nas cartas que alguém… alguém fez um trabalho para você!


— Meu Deus! — Rosane segurou a bolsa no colo e se afastou da mesa depois de ouvir a informação — É sério isso? Que trabalho é?!


— Parece que é uma… amarração de amor!


Rosane pareceu não entender.


— Amiga, fizeram um feitiço para você se apaixonar por alguém!


— Hm… — Rosane inclinou a cabeça — Interessante.


Não era a reação que Madame Samantha estava acostumada. Ela acendeu um incenso e começou a embaralhar as cartas que não estavam na mesa.


— Fica tranquila que vai dar para desfazer.


— Não, tudo bem — Rosane chegou mais perto de Madame Samantha e encostou na sua mão para ela parar de embaralhar novas cartas — Antes que a gente siga… você consegue ver quem foi que fez esse trabalho?


Uma brisa fria soprou dentro do quarto fechado.


— Ver? Como assim?


— Não sei, de repente ver o nome da pessoa que deseja que eu me apaixone por ela, ou alguma característica sabe? Cor de cabelo, cor dos olhos…


— E-eu acho que não entendi.


— Ah, não dá para saber mais detalhes? Hoje em dia, sabe né, tão difícil conhecer gente nova!


Madame Samantha não queria estar certa na sua suposição, mas sentia que Rosane estava gostando daquilo.


— Mas amiga, a pessoa fez um feitiço para você se apaixonar por ela!


— Sim, já saiu ganhando pontos comigo! Demonstrou interesse né, olha só que legal, é proativa! Se for assim na vida pessoal e profissional é um bom partido!


— Mas isso é errado! É alguém que está usando as leis da natureza para criar algo que não é natural!


— Besteira amore, quando vê a pessoa é tímida e não sabe como chegar em mim — o incenso que Samantha acendeu se apagou — Se bem que… O que foi essa pessoa pediu?


— Como assim?



— Ela pediu por mim ou pediu para o universo por alguém? Porque assim, se ela pediu por mim, legal, tem bom gosto. Mas se ela pediu no geral e o universo me laçou para me entregar, significa que eu tô sendo bem vista pelo universo, né?


— E-eu não sei, eu…


— Olha só que honra! Eu sou uma pessoa cinco estrelas! O algoritmo tá do meu lado, me entregando para as pessoas!


— Pelas deusas…


— Faz um teste aí, tenta inverter isso aí.


— Desfazer?


— Não, não, inverter! Já que eu tô amarrada mesmo, inverte: puxa para perto quem me quer. Eu que não vou atrás da pessoa que pediu por mim né, se ela me quer, ela que venha atrás de mim!


Madame Samantha pediu ajuda aos seus mentores em silêncio. Rosane continuou quebrando o silêncio.


— E já aproveita e vê se tem mais alguma amarração aí, se tem um emprego novo, casa nova, algum corretor querendo me vender um apartamento com suíte, junto aí todas as cordinhas que eu tô amarrada e dá um puxão nelas. Traz todas pertinho, para eu ver o que o universo tem para me oferecer


— Rosane, eu não sei se isso é possível.


— Samantha, é possível sim amiga, sei que você consegue! — ela se estendeu sobre a mesa e deu um tapinha na mão da cartomante — É como… como um shopping ao contrário. Deixa o universo me cortejar com o que tem de melhor nas vitrines dele. Faz de conta que eu tô só passeando e olhando. Vai saber quantas oportunidades tô perdendo?


— Mas se essas oportunidades vierem até você, qual é a graça? O legal da vida está na descoberta, no aprendizado, na busca!


Rosane deu uma gargalhada que encerrava o assunto.


— Papo furado, amiga. Se quiserem estar entregando os louros a que tenho direito na frente da minha casa, tô aceitando. Mesmo que sejam poucos. Não tenho mais saúde mental para confiar no processo. Nessa economia e na nossa idade, é melhor ser vista por alguns do que ignorada por muitos.


— Amiga…


— Samantha, olha só: nós, a gente amarra e desamarra. Mas, até pra conseguir dar nós, a gente tem que dar corda. Concorda?


Madame Samantha começou a recolher as cartas da mesa, atônita.


— Vai, embaralha aí, vai tirando mais umas — Rosane tirou um isqueiro da bolsa e levantou acender os incensos apagados — Tô adorando esse rolê místico, acho que tem tudo a ver comigo. Você não tem um desses baralhos sobrando aí pra me vender, não? Esse de gatinhos é um amor.



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