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As três vidas de Úrsula

  • Foto do escritor: Samuel da Rosa Rodrigues
    Samuel da Rosa Rodrigues
  • 4 de abr.
  • 2 min de leitura

Era a terceira vez que Úrsula morria na semana. Ser imortal ajudava — seria chato morrer de verdade — mas se todos soubessem como era complicado reviver…


A primeira morte foi ao salvar uma criança que correu para a rua atrás do cachorro. O jipe em alta velocidade nem ia perceber que acertou o menino. Era melhor que fosse ela. Tirou a mochila e correu empurrar a criança. A última coisa que viu foi um bottom do seu dorama favorito voando da sua jaqueta. Saco.


Quando o jipe parou, seu corpo já tinha sumido. Torceu ter causado bastante estrago e assustado a criança e o motorista. Todos precisavam de uma lição. Surgiu horas depois num beco, com dor de cabeça e sem o bottom. Voltou de noite recuperar a mochila. Os cacos de vidro estavam lá, assim como o cheiro de hortelã no ar. Não sabia porque deixava esse aroma quando morria, mas hortelã cheirava a morte.


Dias depois, sofreu um assalto em uma rua deserta. Ofereceu uma troca ao bandido: ele soltava a idosa que estava assaltando e roubava ela. Ao ver os olhos vermelhos do ladrão, percebeu que não ia durar. Ele pegou sua carteira, celular e deu duas facadas na sua barriga. Adorava a camisa que ele rasgou. Saco.


O cheiro de hortelã se destacou na noite fria. Úrsula surgiu horas depois na área rural. Contou para todos que furou a camisa em uma cerca de arame farpado fugindo de um boi.


Às vezes se perguntava se não se colocava em risco só para salvar os outros e se sentir viva morrendo. Pensava nisso distraída quando se engasgou com um amendoim em um café. Já se imaginou morrendo. Ia traumatizar todos. Nunca mais poderia pisar ali. Saco.


Estava aceitando a morte quando alguém a abraçou por trás e a apertou até cuspir o amendoim. Ao recuperar o fôlego, a atendente que a salvou ofereceu um chá de hortelã. Cheiro de morte.


Quando a xícara chegou às suas mãos, viu todos felizes por sua vida e percebeu que o custo de reviver não era nada perto de ajudar os outros a viverem. Isso sim a fazia sentir-se viva.


E então entendeu que reviver era mágico, mas voltar a viver, mesmo já estando viva, era especial. A velha Úrsula morreu, e a hortelã, que tinha aroma de morte, agora cheirava à vida.


Capa do conto AS TRÊS VIDAS DE ÚRSULA

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