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O nome dela é Rosa

  • Foto do escritor: Samuel da Rosa Rodrigues
    Samuel da Rosa Rodrigues
  • 9 de nov. de 2024
  • 3 min de leitura

Sai animada da floricultura. O humano que me comprou parecia promissor. Falou que já tinha um vaso separado para mim e não falou nada sobre animais. Eu já vi o que alguns cachorros fizeram com amigas minhas na loja. “Ele está no meu colo, não vai fazer nada”. Pff. A criatura selvagem arrancou com os próprios dentes uma camélia linda que estava a dois vasos de distância. Eu vi minha vida diante dos meus olhos. Eu tinha acabado de germinar, então minha vida não era muito grande, mas foi traumatizante.


O dono da floricultura me embrulhou em um papel, mas deixou minha cabeça pra fora. Foi bom andar no sol um pouco. As vezes eu ficava lá fora por algumas horas, nos dias mais bonitos, e gostava do calor do sol. Mas sei que ele pode ser cruel com a gente. Tive amigas que foram do passeio lá fora direto para o jardim, como adubo. A vida de planta não é moleza.


O carro do humano era perfumado. Ele não comprou muitas das minhas amigas, então não seriamos um buquê. Pelo esmero com o carro ele já estava em um relacionamento e era bem cuidadoso. Isso significava que nós seríamos um vaso decorativo!


Esse era um dos destinos que mais me agradavam. Gostava de me imaginar na sacada, observando o movimento da rua, matando de inveja as plantas dos canteiros por não precisar de água da chuva pra me manter hidratada. Se bem que já ouvi histórias horríveis de humanos que foram viajar e deixaram amigas próximas morrerem. Preferi não pensar nisso.


Quando estacionamos, não parecia uma casa de humanos. Ele me pegou com cuidado e carinho. Estava começando a gostar dele. O lugar tinha jardins floridos e bem cuidados. Algumas pessoas passeavam por eles. Entramos na casa grande. Estava frio lá dentro. Eu não ia sobreviver muito tempo naquele clima gelado. Acho que o nome daquilo era ar condicionado. Será que o meu sonho de ficar no sol já estava morrendo?


O meu humano pegou um adesivo e colou no peito. Parecia ser o seu nome. A humana que atendeu ele fez uma cara feia para mim e minhas amigas. Ele nos alcançou para ela cheirar o nosso aroma e explicou alguma coisa. Ela sorriu e nos deixou passar. Pegamos um elevador e saímos em um corredor branco, sem flores. Fiquei nervosa de novo.

Entramos em um quarto. Uma das camas estava vazia e na outra cama uma humana, mais velha, estava deitada, dormindo. Ele a acordou com o mesmo cuidado que me pegou na mão. Ela sorriu quando abriu os olhos e viu quem era. Mas o sorriso mais bonito foi quando ela me viu.


Você já sentiu alguma vez que colocou cor na vida de alguém? Foi como me senti naquela hora. A humana me pegou, com as mãos trêmulas mas decididas, e cheirou meu perfume. Depois, apontou um vaso vazio no chão, ao lado da cama. O meu humano — será que eu era dele ainda? — encheu o vaso de água e colocou eu e minhas amigas dentro. Hidratada e protegida, só faltava o sol. Quando fomos para a janela, abrimos nossas pétalas


A minha humana sorria quando olhava para mim. Fui bem exibida: a cada brisa que soprava eu dava um jeito de deixar meu perfume no quarto.


— Ela é igual às que eu tinha no meu jardim — ela disse.


Quando ele foi embora, deu um beijo na testa dela e veio falar comigo. Eu não sabia que humanos podiam falar a língua das flores, mas dessa vez entendi perfeitamente o que ele falou.


— O nome dela é Rosa — sussurrou — Cuida bem dela.




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